terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Precisamos de um Fórum Político Mundial

Talvez seja a hora de se aproveitar os balanços a serem realizados em Porto Alegre e os debates sobre desenvolvimento e soberania que terão lugar em Salvador para propor uma mudança substancial nos Fóruns Sociais: transformá-los em Fóruns Políticos Mundiais.

Datas redondas são sempre bons argumentos para se fazerem balanços e se recalibrarem táticas e estratégias. O Fórum Social Mundial chega à sua décima edição tendo alcançado várias vitórias políticas e alguns tropeços em sua dinâmica interna. O predomínio claro é das primeiras. No Brasil, como se sabe, teremos duas seções, de um total de 27 espalhadas pelo mundo. Elas ocorrem em Porto Alegre e em Salvador.

Um dos temas centrais da etapa gaúcha deste ano é o seminário "10 anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível", com a presença de militantes e acadêmicos de várias áreas. Na seção baiana, as mesas voltam-se especialmente para os temas da soberania nacional e do desenvolvimento. São pautas complementares, com vários palestrantes em comum. Alguns chefes de Estado – com destaque para o presidente Lula – estarão presentes nas duas iniciativas.

Desgaste liberal
O Fórum surgiu como conseqüência da globalização neoliberal, em um cenário de desgaste de governos e lideranças identificadas com esse ideário, especialmente na América Latina. Foi, de cara, um sucesso espetacular como protesto coletivo e um passo adiante às manifestações de Seattle, em 1999. Milhares de ativistas e militantes acorreram à Porto Alegre como a Meca da rebeldia internacional. O Rio Grande e sua capital eram dirigidos por administrações moderadamente diversas do liberalismo heavy metal hegemônico em todo o continente. Num mundo banhado pelo financismo cru, as administrações petistas, com justeza, brilhavam.

O Fórum conviveu ao longo desses anos com uma tensão básica: aqueles que o vêem como um grande evento de ONGs e movimentos sociais, no qual governos – que o financiam! - e partidos políticos deveriam ficar de fora. Essa diretriz está em sua carta de princípios, aprovada em 2001: “Não deverão participar do Fórum representações partidárias nem organizações militares. Poderão ser convidados a participar, em caráter pessoal, governantes e parlamentares que assumam os compromissos desta Carta”.

Qual o sentido de tal norma? Na prática, esvaziar o Fórum como espaço político e mantê-lo como um espaço de encontros e debates. O resultado, por melhor que seja, resultará sempre fragmentário e focalizado.

Outros setores entendem o Fórum como parte de um processo maior. Governos e partidos teriam papel central. Sob esse ponto de vista, o Fórum não seria um fim em si e a métrica de seu “sucesso” ou não se pautaria pelas lutas concretas nos diversos países.

O curioso é que, nas últimas edições do Fórum – em especial na de Caracas, em 2006, e na de Belém, em 2009 – as atividades mais importantes reuniram presidentes e representantes de agremiações partidárias. Tiveram relevância reduzida as manifestações de movimentos e ONGs. Ou seja, as atrações que buscavam visões abrangentes e não particularistas tendiam a não apenas atrair mais público, mas a terem repercussão maior.

Disputas em 2010
É interessante que o Fórum faça um balanço desses dez anos. Mas muito mais importante é fazer um balanço dos enfrentamentos e dos avanços e recuos que as forças do “outro mundo possível” tiveram nesse período na vida real.

Qual a pauta central da luta antiliberal na América Latina atual hoje? Tudo indica ser a contenção da abusada ofensiva da direita. É deter a cruzada conservadora materializada no golpe hondurenho, no Plano Colômbia, na vitória da direita chilena, na ofensiva do capital financeiro e do agronegócio contra o governo argentino, nas articulações golpistas no Paraguai, nas eternas oposições venezuelana, boliviana e equatoriana e nos ataques ao Programa Nacional de Direitos Humanos no Brasil. Há várias frentes de disputa neste 2010. Se atentarmos para o fato de que a Europa ocidental fez na última década um firme giro à direita, perceberemos que o jogo na América Latina não tem uma importância apenas regional. Ele impactará a cena política mundial.

De longe, o processo mais importante são as eleições brasileiras, em outubro. É aqui que se jogará o futuro político do continente. Uma vitória da direita, personificada por José Serra, comprometerá toda a construção de alternativas ao neoliberalismo.

Não se trata de maniqueísmo, uma vez que muitos governos são tremendamente moderados. O problema é que a truculência da direita os coloca, por contraste, no espectro da esquerda continental. É o caso de Lula.

Tais embates são da esfera política e estão no mesmo diapasão dos impulsos que geraram os Fóruns Sociais Mundiais. Mas a certa altura, os Fóruns ficaram para trás em relação aos governos. Com todas as suas limitações, estes tiveram de ir à ação concreta. E avançaram.

Talvez seja a hora de se aproveitar os balanços a serem realizados em Porto Alegre e os debates sobre desenvolvimento e soberania que terão lugar em Salvador para propor uma mudança substancial nos Fóruns Sociais: transformá-los em Fóruns Políticos Mundiais.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

Fonte: Carta Maior

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